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Especialistas divergem sobre cisão do júri do Caso Kiss

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

O julgamento dos quatro réus do Caso Kiss já tem data marcada, conforme decisão mais recente do juiz Ulysses Fonseca Louzada, e será em duas etapas. No dia 16 de março de 2020, serão julgados Marcelo Santos (um dos músicos) e Mauro Hoffmann (um dos sócios da boate). Já o segundo júri, onde responderão Elissandro Spohr (sócio) e Luciano Bonilha (músico) será no dia 27 de abril de 2020. A cisão (divisão) foi analisada por especialistas do meio jurídico, a pedido da reportagem, e divide opiniões. 

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Réus do Caso Kiss serão julgados em duas etapas

No entendimento de Cláudio Brito - advogado, jornalista e comentarista no Grupo Sinos -, a decisão do magistrado Ulysses Fonseca Louzada se mostrou acertada e apropriada. Para ele, ainda que a divisão não seja algo habitual, ela é revestida de amplo amparo jurídico. 

_ O processo foi, desde o começo, muito bem conduzido pelo magistrado. Sendo que tão ou mais importante foi o fato de o STJ ter corrigido (em junho, durante votação em Brasília) um equívoco do TJ (Tribunal de Justiça) ao fazer com que a decisão acerca dos quatro réus fiquem com a comunidade santa-mariense. É lá que se deve ter o desfecho dessa história. É, sem dúvida, alguma em Santa Maria _ avalia Brito.

Ainda que a cisão não seja algo de praxe, Brito entende que ela dá mais segurança e respaldo às partes para que, assim, se tenha uma condução mais austera e isenta. A definição do número de testemunhas e de vítimas a serem ouvidas, pontua, é mais do que suficiente. Para Brito, "a prova está mais do que farta".

Entendimento diametralmente oposto do juiz aposentado Alfeu Bisaque Pereira. Para ele, por mais que haja uma alta complexidade em torno do Tribunal do Júri, a cisão deveria se dar em casos de extrema excepcionalidade. O que não seria este caso, pondera Alfeu. E, por isso, a fragmentação do julgamento traz risco às partes envolvidas:

_ É evidente que o resultado do primeiro julgamento, seja ele o que for, pode interferir no outro (segundo). Imagine que, hipoteticamente, uma mesma pessoa seja chamada e dê um determinado depoimento. E, depois, já no segundo Tribunal do Júri, ela seja chamada novamente e dê outra versão. Como fica? Isso, sem dúvida alguma, ensejará recursos. O fato é que não se precisava ter decidido pela cisão, até porque ele traz riscos reais e incalculáveis ao próprio julgamento.

OS PRINCIPAIS PONTOS
Confira, abaixo, os principais trechos do despacho do juiz Ulysses Louzada, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, expedida na noite da última segunda-feira. Juristas e especialistas comentaram parte do despacho: 

Sobre a fragmentação do júri: "Quanto aos requerimentos, sublinho, que em todos estes existe algo em comum: os acusados desejam a cisão, é dizer, querem o julgamento mas, separadamente ou, separado daquele que possa ter tese diferente, diversa ou contrária a sua. Não resta dúvida que é um direito do(s) acusado (s), bem como de toda e qualquer pessoa, porventura processada, ver-se julgada o mais breve possível, mais ainda quando ela mesma (a própria parte) assim se manifesta, como aconteceu com alguns dos acusados, [...] Indubitavelmente que, a complexidade do fato, a extensão de suas consequências, o grande número de vítimas e as teses conflitantes das defesas justificam a cisão do feito. Assim, a cisão do feito, com o julgamento de dois réus por sessão, oportunizará às partes um melhor preparo, maior tempo para tratar de cada fato e, principalmente, maior tranquilidade aos jurados para decidir o futuro dos acusados." 

OPINIÃO
"(A cisão) encontra problemas constitucionais e legais e viola o princípio da unicidade de julgamentos. Esse instrumento (da cisão) é uma exceção e vale, por exemplo, em caso de uma eventual recusa dos jurados. Há, em tese, um risco real e incalculável de os réus serem prejudicados. Poderá ainda haver uma decisão conflitante e em prejuízo seja da defesa ou da acusação. Sem dizer que se tem, dessa forma, a quebra do chamado princípio do juiz natural. Ou seja, teremos dois tribunais do júri. É óbvio que há elevada complexidade no caso, mas não se pode correr o risco de se assumir prejuízo às partes" 
Alfeu Bisaque Pereira, magistrado aposentado 

"A cisão, de fato, não é muito comum. Raras foram, aliás, as vezes em que ouvi na cisão antecipada, mesmo que se tenham todos os réus disponíveis. Mas não há dificuldade nenhuma ao acontecer a cisão e eventual risco ao julgamento. Sendo que, com a cisão, o tempo é o mais adequado para que os réus façam sua própria defesa. Até porque é melhor que o tempo seja dividido em dois do que em quatro. Não vejo nenhuma dificuldade da cisão. A hipótese de cisão é tão clara, que isso é possível e adequado, então não há porque recorrer"
Cláudio Brito, jornalista, advogado e comentarista no Grupo Sinos         

Sobre o pedido de desaforamento: "Em relação ao pedido de desaforamento por representação deste Juiz, vai desacolhido. O desaforamento constitui medida extremamente excepcional. E a razão é simples: a uma, ninguém melhor do que a própria sociedade que vivenciou aquela situação para melhor dizer o que quer para si; para apreciar e julgar o fato; a duas, onde poderão ser obtidas e reproduzidas as provas, ouvir as testemunhas, vítimas, deslocamentos, inspeção e consectários; a três, relativas às questões de competência, mesmo sendo territorial, é absoluta no processo penal, diverso do direito processual não penal, em face ao caráter público daquele. [...] No caso, o pedido de desaforamento partiu da autoridade judicial que alegou, em seu requerimento, as questões da ordem pública, segurança dos acusados e imparcialidade de jurados. Contudo, tais situações não vieram minimamente comprovadas, razão pela qual não há razão para excepcionalidade citada. [...] A esse respeito, aliás, os demais acusados, com exceção de Elissandro, requereram julgamento nessa Comarca de Santa Maria. Ademais, o desaforamento consistiria em grande entrave ao atendimento dos pedidos de oitiva de vítimas, testemunhas e de inspeção no local do fato deduzidos pelas partes." 

OPINIÃO
"Não é o caso (de desaforamento). A pressão que os réus sofrerão será a mesma seja em Santa Maria ou em qualquer outra cidade do Estado. Mas é claro que haverá recurso e, com isso, a tendência de se retardar o julgamento. Até que se tenha uma decisão do recurso apresentado junto ao TJ (Tribunal de Justiça)". 

Alfeu Bisaque Pereira, magistrado aposentado 

Sobre a limitação de vítimas a serem ouvidas: "A fim de evitar desnecessária tautologia, faço uso do teor das supracitadas decisões para deferir o pedido de ouvida das vítimas, que limito em 05 (cinco) para o Ministério Público, 05 (cinco) para a Assistência a Acusação, e 05 (cinco) para cada uma das partes defensivas. Embora possa parecer inexpressivo diante da quantidade de vítimas resultantes do fato, entendo suficiente dada a complexidade do julgamento, o tempo que será percorrido, o desgaste físico, e o fato de que os depoimentos colhidos nas inúmeras audiências realizadas na primeira fase deste procedimento repetiram-se, havendo pouca diferença entre uma e outra narrativa. Hoje, quiçá, nenhuma. De qualquer sorte, defere-se o número em cinco. Por tais fundamentos, determino a intimação dos Ilustres Representantes do Ministério Público, Assistência da Acusação e das Defesas para, no prazo de 05 (cinco) dias, reduzirem/informarem o número de vítimas arroladas _ até o número máximo de 05 (cinco). " 

OPINIÃO
"Não há razão alguma para exceder esse número. O máximo é de três (vítimas) e, sem dizer, que inevitavelmente todas dirão a mesma coisa"
Alfeu Bisaque Pereira, magistrado aposentado 

Sobre a limitação de testemunhas a serem ouvidas: "Inicialmente, à Assistência da Acusação não é vedado arrolar testemunhas para depor em plenário, desde que complementares ao rol apresentado pelo Ministério Público. [...] Por essa razão, indefiro a apresentação do rol de testemunhas por parte da Assistência da acusação. No mais, aos analisar as outras petições, constatei que as partes, a exceção da Defesa de Luciano, apresentaram número de testemunhas superior ao previsto no art. 422 do CPP. [...] É preciso considerar que se estima sessão de júri com vários dias de duração. Por tais razões, determino a notificação dos Ilustrados Representantes do Ministério Público, Assistência da Acusação, das Nobres Defesas de Elissandro, Marcelo e Mauro para, no prazo de 05 (cinco) dias, reduzirem o número de testemunhas arroladas a fim de que se enquadre ao previsto em lei (cinco)." 

OPINIÃO
"Não há razão alguma para exceder esse número. O máximo é de três (vítimas) e, sem dizer, que inevitavelmente todas dirão a mesma coisa" 
Alfeu Bisaque Pereira, magistrado aposentado 

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